Apesar do apelo difundido de segurança e garantia, a verdade crua é que o mercado de renda fixa não é imune a perdas e, por mais paradoxal que possa parecer, muitas vezes sequer apresenta uma renda propriamente fixa. É interessante notar o que distorções macro-econômicas podem causar na memória social de um povo. Devido ao longo e tenebroso histórico inflacionário, carregamos um ranço de indexação difícil de ser combatido, a exemplo das inúmeras tentativas para eliminação do CDI como indexador geral de instrumentos financeiros. A tal ponto é disseminada a cultura do pós-fixado, que títulos vinculados a algum índice são categorizados de forma genérica como renda fixa, um contrassenso impensável em outros mercados desenvolvidos. No mercado americano, os famosos TIPS (Treasury Inflation Protected Securities), títulos corrigidos pelo índice de preços oficial, são vistos como uma alternativa aos pré-fixados, e não incluídos na mesma categoria.
Por carregar uma imagem de instrumento sem risco, os produtos de renda fixa formam um mercado onde os investidores costumam aplicar de forma muitas vezes despreocupada. Existem riscos consideráveis, embora de características diferentes daqueles encontrados no mercado de ações. Os riscos de crédito e de liquidez são de fácil entendimento, pois prescindem de abstração ou cálculos matemáticos. No entanto, ambos apresentam detalhes muitas vezes subliminares, vindo à tona invariavelmente em circunstâncias indesejadas na vida do investidor. O fato de haver cobertura por parte do fundo garantidor (FGC) é visto pela imensa maioria como autorização para investimentos baseados apenas no retorno obtido com o título, dado que supostamente o FGC teria lastro para ressarcimento. Mesmo que o título esteja enquadrado no FGC – nem todos estão – há que se notar que, do momento da intervenção na instituição quebrada até a data do pagamento não há correção alguma do valor aplicado, sendo os juros calculados somente até o momento da intervenção.
Outro erro comum na análise de risco do emissor é limitar-se ao rating de crédito dado por agências de avaliação, algo que já se provou falho em várias circunstâncias, no Brasil e no exterior. Todo título privado emitido tem um prospecto com informações fundamentais para o investidor, entre elas a situação atual e histórica do grau de endividamento e alavancagem – proporção de dívida em relação ao capital total da empresa. Uma análise detida neste documento pode evitar desnecessárias dores de cabeça, sobretudo em títulos com vencimento mais alongado.
No caso da liquidez, muitos vendedores de plantão alegam haver mercado secundário para revenda, algo perigoso principalmente para investidores de primeira viagem com o capital pouco pulverizado. Mesmo em casos onde há oportunidades para revenda do título em carteira, há o risco considerável de deságio no valor oferecido para recompra, seja em função do patamar de juros corrente, ou pelo grau de procura por tal título no mercado. Um termômetro do grau de liquidez oferecido no título é o volume de negócios realizados por títulos ofertados pelo mesmo emissor, na mesma categoria de emissão, ao longo de um período de tempo. Este tipo de iniciativa pode poupar enormes transtornos em momentos de necessidade de caixa, quando normalmente os produtos de renda fixa são os primeiros a sofrer resgates.
Outro risco a ser levado em conta reside na esfera tributária, em particular na isenção de produtos como LCI, LCA, CRI, CRA e debêntures incentivadas. Dada o colossal enrosco da atual conjuntura fiscal, é de se esperar – conforme propostas legislativas apresentadas – qualquer mudança de tratamento que afete diretamente o caráter de isenção destes produtos. Alguns estudos chegaram a cogitar, inclusive, a retroatividade para qualquer título em carteira, alterando a regra do jogo de forma inclemente. Embora a vantagem tributária seja, sim, substancial, o risco de cunho legal deveria ensejar nestes casos algum prêmio em relação aos seus pares tributados. Exemplificando, um produto que renda 7% ao ano, com incidência de IR e vencimento acima de dois anos, é comparado a um produto isento com retorno aproximado de 5,95% – por meio do grossup, uma regra simples de equivalência matemática. Posto o risco legal mencionado, reivindicar algum prêmio, mesmo que pequeno, pode ser uma iniciativa saudável neste caso.
De todos os riscos, o de mais difícil assimilação pelos investidores é o relacionado ao patamar de juros vigente no mercado. Este risco fica patente em fundos de investimentos com carteira recheada de produtos pré-fixados ou com parcela pré-fixada. Devido à mecânica da marcação a mercado (em inglês, MTM ou Market-To-Market), qualquer título investido pelo fundo pode sofrer perdas imediatas em caso de mudanças nas taxas de juros correntes, produzindo eventuais retornos negativos. No caso de fundos, este risco é invariavelmente minimizado através de hedge com instrumentos derivativos, situação distinta do investidor pessoa física. A matemática por trás de tal fenômeno é uma relação inversa entre o preço de um título e seu yield – sua rentabilidade até o vencimento. Em termos práticos, se um título que vence por mil reais em um ano e apresenta um yield de 10%, espera-se que no momento da emissão ele seja comprado por 909,09 reais, pois aplicando 10% nos mesmos 909,09 reais são produzidos os 1.000 reais no vencimento. No entanto, caso os juros estivessem em um patamar de 15% no momento da emissão, o investidor precisaria de apenas 869,56 reais para comprar o mesmo título, ou seja, pagaria menos pelo mesmo montante ao final. Este racional matemático, se aplicado ao longo do período, é o responsável pela flutuação do preço do título e, portanto, do valor de resgate se realizado antes do vencimento. Uma boa prática é o esforço para manter o título comprado até o vencimento, pois embora possam surgir janelas interessantes para vendas com lucros, devido a eventuais quedas de juros, há que se pesar o risco de recompra com taxas de juros ainda menores.