Em tempos de incerteza e perplexidade sobre os fatos políticos que se sucedem a cada dia no Brasil, cabe ao trabalhador, seja da iniciativa pública ou privada, tomar as rédeas de seu futuro financeiro, ao que tudo indica cada vez menos dependente de um estado provedor. Persiste no brasileiro uma visão imediatista e redutora, que limita a vida útil de trabalho a um martírio compulsório com fim determinado e uma fase de redenção ao cruzar o evento da aposentadoria. Tal visão é perigosa, tanto pelo lado dos riscos associados a eventuais gastos futuros não previstos, como pela frustração em possível extensão do período em que se mantém na ativa.
Afinal, qual é a melhor aplicação financeira, de modo a se garantir conforto e segurança na fase de aposentadoria? Ações, títulos de renda fixa pré-fixados, pós-fixados, imóveis? Por que não investir em nós mesmos, agregando valor e conhecimento ao ofício que escolhemos e dedicamos tanto tempo de nossa vida. Ninguém deve ser leviano em estabelecer prioridades para outrem, sobretudo no que diz respeito ao uso do tempo de vida. Contudo, reside em uma boa parcela de investidores um racional equivocado de que a profissão é apenas um meio para se enriquecer no mercado financeiro, através de trades executados de forma excepcional. Não é raro encontrar profissionais liberais em plena catarse por terem obtido retornos acima da média em seus ativos. Da mesma forma, são os primeiros a defenestrar o mercado de capitais no momento da intempérie. Não há mal algum em se entender mais profundamente o mercado em que se investe, pelo contrário. Contudo, quando o médico se debruça em day-trades no meio do dia, algo está nitidamente fora de compasso. Por mais experimentado que seja o investidor das horas vagas, a falta de dedicação e monitoramento cobrarão seu preço. Ainda mais grave é o custo de oportunidade ao se colocar lado a lado o valor-hora de atividade na profissão desempenhada e o ganho médio por hora nos trades efetuados.
Aposentadoria é, ou deveria ser, sinônimo de longo prazo. Como tal, as decisões operam em sintonia com este horizonte. Muito mais importante do que a escolha do ativo A ou B, é o esforço e abdicação da compra de um bem de alto valor em prol de uma maior capitalização do valor investido. Isto não significa, necessariamente, rejeitar oportunidades de venda se estas se mostrarem adequadas, desde que estejam alinhadas com um foco de capitalização contínua do capital investido e não de obtenção de lucro rápido para uso imediato. A estrutura de gastos correntes abre uma excelente oportunidade para revisões, eliminando despesas supérfluas ou que possam ser substituídas por equivalentes mais baratos. Certamente, a racionalização no uso do carro tem mais impacto do que ganhos pontuais em vendas de ativos. É também um momento de reflexão quanto ao percentual que se deseja destinar para a poupança. Não existe um número mágico, até porque as circunstâncias da vida cotidiana impõem limites inesperados. Muito mais importante do que a meta percentual é a consciência da necessidade e eventual mudança de postura para viabilizar o atingimento. Ninguém se transmuta de perdulário em frugal em uma semana.
Um fator de extrema relevância, muitas vezes mal ponderado ou sequer considerado, é o peso da inflação individual na apuração do juro real subjetivo. O IPCA ou INPC são índices de inflação oficiais, cada qual relativo a uma espectro de renda mensal, com itens e categorias de bens e serviços com diferentes ponderações. Utilizar algum destes índices como referência para deflacionar o juro nominal na apuração do juro real do indivíduo é uma aproximação grosseira, que muitas vezes pode gerar sérias distorções e impactos críticos no planejamento financeiro. É consenso no mercado a utilização de títulos atrelados ao IPCA como forma de proteção a eventuais surtos inflacionários. Embora tenha valor este tipo de estratégia, um pequeno detalhe pode impactar decisivamente no retorno real (acima da inflação) deste tipo de instrumento. O imposto de renda incide sobre a base total do ganho, incluindo a correção monetária e o juro acrescido (cupom). O resultado assustador é constatarmos situações de altas expressivas na taxa de inflação onde o juro real líquido de imposto se encontraria próximo a zero ou negativo. Pode parecer esdrúxulo em um país onde até pouco tempo renda fixa era sinônimo de risco baixo e retorno real líquido estratosférico, no entanto este tipo de situação é mais do que corriqueira em países desenvolvidos.
Ao se projetar o futuro, mais dúvidas do que certezas surgem. Uma forma prática de se projetar despesas ainda não recorrentes é a observação de pessoas mais velhas com padrão e estilo de vida parecidos. Pode não reproduzir fielmente a necessidade de gastos do investidor no futuro, mas funciona como parâmetro para estabelecer metas e objetivos. Neste sentido é que se encaixa o modelo “Goal-Based”, um nome glamoroso que se traduz por estabelecer e priorizar objetivos, estruturando os ativos financeiros com esta finalidade. O maior mérito deste modelo é justamente enterrar a filosofia de busca desesperada por retornos excedentes ao benchmark, desprovida de objetivos concretos. Em seu lugar o modelo preconiza a sistematização de escalas de desejos e necessidades e os meios para atingi-los. De forma bem pragmática, expõe em números o modus operandi que deveria constar no regramento mental de todo investidor.